"Não foi fácil, me agarrei a Deus"
A felicidade de um recomeço
Em mais de duas décadas, Pelotas já recebeu quase dois mil imigrantes e refugiados em busca de novas oportunidades
Jô Folha -
Devido às dificuldades em seus países de origem, muitas pessoas acabam partindo em busca de refúgio e de oportunidades para ajudar a si e sua família. Assim como em outras partes do Brasil, Pelotas também tem recebido imigrantes e refugiados nos últimos anos. Segundo o último relatório do MigraCidades entre 2000 e 2021, 1.858 cidadãos receberam o Registro Nacional Migratório que os oficializou como habitantes do município. Apesar de um grande passo, esse é apenas o primeiro para quem procura uma nova chance.
"Não foi uma decisão tomada por mim, digamos que foi o destino. Eu saí de casa só com a passagem para chegar até a fronteira da Venezuela, só com isso e com Deus. É lamentável como um governo pode acabar com a vida de um país", relata Andrés Hernández, 41, ao contar sobre sua vinda para o Brasil em 2018. Emocionado, ele lembra da crise que seu país estava enfrentando e que devido às dificuldades para se alimentar, ter acesso a medicamentos e outras áreas essenciais, foi necessário partir em busca de melhores condições para família.
O venezuelano chegou em Pelotas em 2019, mas antes, esteve em Piratini e Rio Grande. O primeiro contato com brasileiros foi em Roraima e logo, em seguida, se mudou para Manaus. Foi no município em que acabou conhecendo o trabalho da Caritas Brasil e fazendo seu cadastro para receber ajuda. Após um processo foi oferecida a oportunidade de vir para o Sul do país e, ao aceitar, foi enviado para a primeira Capital Farroupilha. "Não foi fácil, me agarrei a Deus. Estava longe, sem emprego, sozinho", comenta.
Sem a filha e o diploma
Hernández diz que mensalmente manda dinheiro para sua família que ficou na Venezuela. Além da mãe e da irmã, também ficaram a esposa e a filha que, na época, tinha apenas dois anos. Ele conta que não as quis trazer devido às incertezas. "Ela era muito pequena e lá tinha uma cama, um teto e eu chegava aqui sem trabalho, sem nada. Acho que um dia quando ela crescer, vai me entender", comenta.
Formado em Pedagogia em uma universidade pública da Venezuela, Hernández atuou alguns anos, mas ao vir para o Brasil acabou ficando sem o reconhecimento de sua graduação e precisou trabalhar em outras áreas. Desde a chegada já atuou na safra do pêssego, do arroz e foi serviços gerais em uma indústria. Atualmente, está em uma empresa do setor alimentício. Muito feliz com a oportunidade que está tendo, ele ainda conta que se formou recentemente em técnico administrativo e Gestão de Pessoas e, no momento, está frequentando um curso de Eletricidade. Em paralelo, tenta regularizar seu diploma.
Uma cidade que acolhe
Não foram poucas as vezes que Hernández elogiou os pelotenses ao dizer que a cidade foi muito acolhedora com ele. "É uma cidade tranquila, desde que estou aqui não recebi nenhum tipo de maltrato, nenhum tipo de preconceito", conta. Situação bem diferente da notícia que chocou o país no mês passado, quando o jovem congolês Moïse Kabagambe, de 24 anos, foi morto no Rio de Janeiro após ter cobrado dois dias de pagamento atrasado de seu empregador.
Com planos de se estabilizar no município, Hernández diz que seu desejo é trazer a família para que possam ficar juntos novamente. "Agora que estou adaptado à cidade, me sinto com força para fazer, para aprender", finaliza.
De estrangeiros a pelotenses
O documento elaborado para o MigraCidades a partir do trabalho desenvolvido pelo Comitê Municipal de Atenção aos Imigrantes, Refugiados e Apátridas, mostra que a partir de 2012 houve um aumento no número de pessoas que buscavam a cidade. Em 2016, o pico chegou a 200. No ano passado, caiu para 48.
Além disso, entre abril de 2018 e agosto de 2021, o município recebeu cerca de 35 venezuelanos por meio da estratégia de interiorização do governo federal. A coordenadora da Clínica de Atendimento Jurídico a Imigrantes e Refugiados (Cajir) da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), Anelize Corrêa, explica o que seria essa ação. "O processo de interiorização ocorre quando muitos migrantes chegam ao país e ficam em uma única região. Então por meio de processos coordenados eles são levados para diferentes locais do país com a intenção de que possam se estabelecer e reiniciar a vida."
A coordenadora do Grupo de Pesquisas em Políticas Migratórias e Direitos Humanos (Gemigra) da UCPel, Ana Paula Dittgen, destaca que a criação deste comitê possibilitou uma união entre o Poder Público e instituições ligadas ao tema. "A articulação entre esses setores possibilitou a realização deste relatório e, é um ganho muito grande a possibilidade da gente compilar esses dados. Mas não podemos esquecer que muitos dos imigrantes ou refugiados que vivem aqui estão à margem desses números. Não conseguimos acessar eles, desconhecemos a existência de muitos e cada vez mais vamos buscar ferramentas para identificá-los", comenta.
Ajuda jurídica
De acordo com Anelize, em 2021 a demanda migratória foi a mais procurada devido a portarias que editadas pelo governo federal, referentes ao acesso desse público por vias terrestres. Foram realizados pela Clínica 25 atendimentos no ano passado, no entanto, Anelize explica que muitas dessas ações envolviam famílias e, com isso, o número de pessoas que tiveram auxílio é maior.
Desde o ano passado, o Cajir presta orientação jurídica aos refugiados e imigrantes, auxiliando sobre direito migratório e favorecendo a regularização documental e estudantil. Até então, o serviço era oferecido juntamente com o Gemigra que foi criado em 2013. Notou-se, então, a necessidade de atendimento específico.
Ajuda no idioma
Desde o início deste mês, a prefeitura em parceria com a Universidade Federal de Pelotas (UFPel), está ofertando aulas de Português para estrangeiros através do projeto Estrada do Mapa de Oportunidades, que é um braço do Pacto Pela Paz. As aulas ocorrem todas as quintas-feiras, das 16h30min às 17h30min, no Centro de Integração do Mercosul. Migrantes e refugiados, que residem em Pelotas e desejam aprender mais sobre a Língua Portuguesa, podem manifestar interesse em participar das aulas através do e-mail [email protected] ou pelo telefone 156. Caso o candidato prefira, pode ainda fazer a inscrição presencialmente na Ouvidoria do Paço Municipal.
Precisam de oportunidades
O coordenador do Mapa de Oportunidades, Gilnei Brauner, conta que além das aulas de Português, os imigrantes e refugiados atendidos pelo projeto também participam de cursos como garçom, serviços de hotelaria e gastronomia, com o intuito de gerar oportunidades. Alguns, inclusive, já estão empregados após encaminhamento, como é o caso do Andrés Hernández.
"Nosso objetivo é acolher os imigrantes e dar subsídios de continuidade de vida aqui em Pelotas. Muitas vezes eles têm dificuldades, sozinhos não conseguem e nós temos que ajudá-los", comenta Brauner. Ele ainda ressalta que o projeto busca fazer com que essas pessoas sintam-se inseridas na comunidade e na cultura, além de não serem discriminadas pela sociedade.
Outro ponto abordado pelo coordenador é a busca por oportunidades de emprego. "Queria fazer um apelo às empresas, que contratem os imigrantes pois eles precisam de um trabalho para poderem se manter. Precisam de oportunidade", finaliza.
Busque orientações
- Cajir: [email protected] (Para auxílio jurídico)
- Mapa de oportunidades: (53) 3309-6040 ou diretamente na Ouvidoria da prefeitura, na praça Coronel Pedro Osório, 101.
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